Em 10 de março de 2010, quinta-feira, ao se imiscuir, mais uma vez, na esfera administrativa dos quartéis, julgando indigno ao oficialato o Tenente Coronel do Exército Osvaldo Brandão Sayd, por ter se relacionado intimamente com outro militar do mesmo sexo, aquela instituição sepultou de vez qualquer sombra de dúvidas a respeito de sua má-atuação e postura antidemocrática.
Julgar mérito levando-se em consideração um relacionamento íntimo que um cidadão mantém para com outrem, enseja em estapafúrdia e estarrecedora deturpada maneira de se conduzir uma Corte. A intimidade das pessoas deveria ser – assim como dispõem as clausuras pétreas constitucionais, algo a salvo de quem quer que seja incluindo-se ai o Estado, e, a Justiça Militar por conseqüência.
Os tratados internacionais do qual nosso país é signatário põem a salvo a dignidade, no entanto, o Brasil, lamentavelmente, ainda, dispõe de um tipo de Poder, entranhado na estrutura do Judiciário nacional, cujo caráter opressor deixa transcender constrangedora violação dos direitos da humanidade.
Apesar de não haver vedação explícita para que homossexuais, e ou, bissexuais, ingressem na carreira militar, há uma espúria conduta interna para que os profissionais das armadas sejam diferenciados e expurgados quando identificadas suas relações interpessoais. O mérito de quem quer defender nosso país deveria residir na capacidade profissional, na probidade administrativa e na condução de sua rotina interna íntegra, pautada em princípios éticos de compreensão do que significa o serviço a defesa da nação e, nunca, em questões afetas as relações pessoais.
Na Justiça Militar, cuja composição majoritária é formada por Generais oriundos das forças belicistas nacionais, é comum o apadrinhamento dos Comandos, contaminados por uma postura antidemocrática. Essa estrutura viciada faz parte de um esquema cultural arraigado por um conceito doentio e deturpado de método falho no gerenciamento do bem público maior – seu recurso humano – o Soldado.
A orientação na caserna para que os homossexuais sejam mau tratados, contamina diuturnamente as decisões da Corte castrense, e faz parte da rotina de condenações sob as bênçãos do Ministério Público Militar, fazendo da vida de um cidadão um verdadeiro inferno. Não foi a toa que o Presidente do STM foi a público defender um dos Generais que sequer fazia parte da composição da corte, taxando de “corrente fala interna” uma atitude preconceituosa, legitimando a comumente exortação e apologia aos crimes de ódio dentro das instituições militares. Desta feita, resta ao cidadão condenado, por ser homossexual nas Forças Armadas, a evidente percepção de que seu país valora mais o que é feito da vida particular dos Soldados do que seu comprometimento com o esmero profissional.
O recente episódio em se referendar o nome de dois militares preconceituosos para assumir posto de Juiz na mais alta corte castrense representa um verdadeiro “tiro” na democracia, e, sobretudo, grande desrespeito a dignidade humana. Sabiamente a Carta que rege a magistratura consorte aos princípios constitucionais resume ser defeso ao cargo de Juiz quem demonstre “discriminação injusta ou arbitrária de qualquer pessoa ou instituição”, e, que tal atitude ensejaria, ai sim, na “indignidade” para o cargo de Pretor.
Fatos como o mencionado expõem cada vez mais o país a um crescente descrédito perante a comunidade internacional. Como explicar que uma nação que se apresenta como protetora dos princípios de respeito à dignidade da humanidade pode manter relações de explícita amizade com déspotas ditadores? Como uma nação que se diz afastar de um modelo de Estado policialesco ao mesmo tempo cria regras para que seu Exército, Marinha e Aeronáutica, tenham poderes de polícia, podendo inclusive, dar voz de prisão a qualquer hora, a qualquer cidadão comum, ampliando desta feita a vulnerabilidade da população civil, expondo-a a toda sorte de arbitrariedade e abuso de autoridade? Difícil, senão quase impossível se dar crédito a um país como este.
O que se vê é a ampliação da atuação da justiça castrense à medida que se tornarão comuns e duvidosos os casos de desacato a autoridades policiais - conseqüência do maior poder de prisão de forma indiscriminada. Um ciclo vicioso e comprometido com o desrespeito ao ser humano.
Portanto, a atitude em expurgar um militar das fileiras do Exército por razões que fogem a competência do poder decisório do Judiciário - decisão a margem da Carta Cidadã de 1988, jamais poderá ser vislumbrada de per si - de forma isolada, mais contextualizada, como tem e merece ser vista, posto que denota retrocesso ao Estado Democrático de Direito e uma vergonha nacional a medida que afasta o povo de seu objetivo maior: liberdade, justiça e dignidade humana.