Da República, a Castelo Branco, o Brasil passou por algumas transformações econômicas, mas, isso dada influência das correntes internacionais. Nos anos que sucederam a proclamação, o campo político ficou praticamente inalterado. O voto, como de costume, era de cabresto, cultura arraigada, certa forma, até nossos dias, nos mais isolados municípios do país. Talvez a partir deste fenômeno possamos encontrar resposta a forma de como o povo se porta pacificamente frente a tantos escândalos de corrupção. Criou-se no Brasil uma apologia ao império do medo. Tudo se resolve pelo terror. As pessoas se encastelam na pseudo-segurança de seus lares e, sobretudo a classe média e a elite nacional acreditam que o isolamento social e a falsa percepção de que seus entes estão a salvo transmite normalidade – a paz é garantida, ao menos nestes feudos.
Tanto no Estado novo de Getúlio, quanto na ditadura “nazo-fascista” em 1964, houve aliteração de forma e agir. Um poder central dominante impunha o pânico através de uma propaganda tenebrosa de que forças ocultas iriam transformar o país num sombrio estado onde o privado seria transformado em público, onde a elite se transformaria em plebe, onde mães perderiam seus filhos, para um levante ideológico de despersonalização - inconsciente coletivo. Ora, em se tratando da última ressalva cabe indagar se não é exatamente isto o que apregoam as instituições totais, ai inseridos os corpos de tropa? Esta forma de agir e pensar não se faz presente ainda hoje nos quartéis Brasil a fora?
Mais, em que se pese o medo, muito presente ainda, há de se pensar na importância dele para os regimes ditatoriais no território nacional. Sob a égide da incolumidade dos princípios éticos familiares, nasceu a “Marcha da Família com Deus pela liberdade”, marco incontestável do levante aristocrático pela defesa da moralidade e da própria sociedade – respeito aos mais tradicionais apegos demagógicos da extrema direita.
A partir daí, perigosamente, vários outros segmentos sociais iniciaram a saga pela defesa dos interesses ultraconservadores, em detrimento a qualquer um que indagasse a validade de tal pensamento ou conduta. Abem da verdade, o principal caráter deste fenômeno foi o anseio de certo grupo pelo poder. A desculpa utilizada àquela ocasião fora bastante oportuna, pois, a experiência comunista em outros países era por deveras traumática e, de fato, deixou transpassar uma deturpação, por parte dos “homens” no poder – um desvirtuamento do que sempre fora apregoado pelos seguidores das bases filosóficas do comunismo.
Desta feita a elite, quem verdadeiramente dita às regras nos continentes, deixou-se levar pela fantasia da segurança do tal encastelamento, que tanto se fala, e, a igreja, a imprensa, assim como a família tradicional brasileira, se deixou inebriar pela falsa propaganda de um fantasma surrealista – uma conspiração Estadunidense. Imagem, talvez só presente nos quadros de Salvador Dali.
Após e durante o golpe, com o passar do tempo, conforme esperado, os homens tomaram gosto pelo poder e, naturalmente deixaram transcender seu próprio caráter imperialista, “inimigo” que tanto combatiam.
Apregoaram, por demasiado, o combate ao que taxaram de intransigente manipulação da ordem social, e, de fato acabaram por deixar transparecer ser tal quão os que buscavam repelir. Ai, já era muito tarde. O terror já se alastrara, e, agora, não só camponeses, “suburbanos”, estigmatizados, operários – classe trabalhadora, e, historicamente oprimida, estava a hostes dos déspotas senhoris, mais, inclusive, nossos filhos: brancos, ricos, formados, heterossexuais, sofriam nas masmorras com as mais brutais e impensáveis barbáries da tortura. Clérigos, políticos, empresários, jornalistas, donas de casa, todos, absolutamente todos, estavam sujeitos ao terror. Com isso, a máscara cai, o regime enfim não é aquele sonho outrora tido como ideal ao povo. Na verdade, na verdade o povo sempre esteve alheio a tudo isto.
Da instalação da República até pouco tempo o povo assistiu sempre surpreso as transformações do país. No entanto, quando o terror, a arbitrariedade e a criminalidade do “Estado” se instalou no seio da aristocracia, o castelo se desmoronou. Paralelo a estes fatos a política do bolo que nunca crescia, ou melhor, cresceu e se fatiou entre os que detinham o poder, deu seus primeiros sinais de inconsistência - ruía. A alta corte nacional, finalmente pode enxergar que fora utilizada como arma de manobra – uma marionete, as mãos irresponsáveis de quem lhes acenou com uma falsa esperança ideológica, a custo de sangue inocente.
Mais e o que dizer da atualidade. Hoje quando se lança o Plano Nacional de Direitos Humanos, o fantasma ressurge, e, o discurso ainda é muito parecido. Trazer a verdade parece abrir feridas em desagravo a fardados e civis bajuladores destes. Com relação aos primeiros [àqueles que não fazem parte da turma por onde perpassam as decisões], cabe ressaltar que muitos, mais, muitos mesmo, sofreram, e, ainda hoje sofrem, tanto quanto os ativistas de esquerda. São inúmeros os submetidos à postergação infindável da tortura belicista.
Não se pode negar que “irmãos de farda” contrários ao pensamento da cúpula das Forças Armadas à ocasião do golpe, tiveram por destino um buraco negro onde haveria choro e ranger de dentes por toda eternidade – paira uma verossímil deliberação para que até hoje um acompanhamento de perto dos pedidos de anistia dos dissidentes dos quartéis resultem em entraves a direitos plenamente assegurados. Sorte a deles, contar com civis na ponta das deliberações de seus processos, não que militares sejam totalmente passionais em seus votos, mais sob estes pesa a força do braço hierárquico.
É de se lamentar o estapafúrdio pedido de demissão coletivo que presenciamos, cuja única e plausível tradução, é a inegável tradição antidemocrática que impera dentre os que comandam. Fato que condena as forças belicistas nacionais ao ostracismo. Um grupo de Generais das três armadas se junta a um civil, legítimo defensor da cultura inventada pelos primeiros, para se insurgir contra colegas de pasta e o que é mais grave contra a própria Presidência da República. Homens adultos, anciãos até, que sobre a égide da “moral e dos bons costumes” pensão proteger os princípios balizares das forças de extrema direita do país, denotando a forma de agir e pensar daqueles que por lei deveriam ser exímios guardiões da ordem – da república. A própria postura em tratar por “data festiva” e, manter a apologia ao fatídico dia “31 de março”, conhecido dentre os anti-constitucionalistas como “dia da revolução democrática”, traduz a cultura intransigente em não reconhecer a autoridade dos civis a frente da presidência do país.
Indivíduos saem em defesa de torturadores, estupradores, dilaceradores de corpos e violentos assassinos cruéis, e, para que? Alguém já se perguntou por quê? O que há de tão caro que se urge em esconder? Qual a dívida que se tem com criminosos condecorados pela missão de ter matado e sumido com os corpos de tantos cidadãos, fazendo sofrer mães inconsoláveis a busca do direito de enterrar seus filhos? Será que alguém sabe me descrever a dor destas mães? Existe no mundo dor maior? Por isso a importância do plano que embora modesto seja um começo.
Acreditar que um grupo de ativistas, com parcos recursos, armamento insignificante e inoperante, possuidores de um único bem: “a crença na ideologia de um país democrático e livre”, pudesse fazer frente a toda uma estrutura de Estado, bem armado, com tropa equipada e preparada, é sem dúvida inimaginável até mesmo aos olhos dos fanáticos teóricos da conspiração ultramarina comunista.
Portanto, o Estado sério jamais possuiu ou possuirá outorga para em nome da moral, ética e bons costumes, torturar, matar e sumir com corpos de cidadãos cujo único crime tenha sido o despertar para um novo mundo, e, depois de tanto tempo, de tanto sofrimento, agir de forma intransigente a negar o direito à verdade ao povo do Brasil.
Para que este país conheça profundamente sua história e se consolide internacionalmente é preciso passar a limpo todos os acontecimentos. Abrir e curar feridas, trazer paz a familiares, ressarcir civis e fardados pelo terror que sofreram a mão de poucos e irresponsáveis, e, sem dúvida acabar de vez com a percepção de que autoridades recalcitram em punir quem deve ser punido por uma dívida imensurável a seus “predecessores”.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
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2 comentários:
Fernando, eu acompanho os julgamentos e discussões a respeito dos crimes da ditatura em nossa vizinha Argentina. Lá o povo tem mais acesso à cultura e educação e grupos como as Mães da Plaza de Mayo não deixam fechar essa ferida. Gostaria que aqui no Brasil, se começasse a mexer nos obscuros arquivos do DOPS e mexer nesse "armário' cheio de esqueletos. O Brasil deveria deixar de ser tão passivo e "bonzinho" e meter o dedo na própria garganta a fim de eliminar a podreira . Quem sabe não sejamos um povo melhor:
Aproveito p/ convidá-lo novamente a me seguir no Twiter: http://twitter.com/Jorgecps
Discordo.
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